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“O cheiro do Ralo” será uma obra-prima?

Essa é a coluna do Jabor de terça feira no Globo, na Folha e em mais um monte de jornais Brasil afora. Quem não leu, vale a pena ler. Tô amarradaço.

Saio do cinema desamparado. Esta é a palavra: desamparado. Fui ver o filme “O Cheiro do Ralo” escrito por Lourenço Mutarelli, Marçal Aquino e dirigido por Heitor Dhalia, protagonizado pelo Selton Mello e fiquei assim. Pareceu-me que houve uma conjunção rara entre os autores – entre os quais, Selton Mello – que talvez tenha ido além deles mesmos. O filme se fez também sozinho. A diversidade dos atores, o acúmulo de situações trágicas, cômicas e perversas geraram um algo que costumamos chamar de “obra-prima”. (“Veja” deu-lhe três estrelas e classifica-o como “drama de humor negro”). Mas este filme é muito mais complexo. Cinco estrelas? Como explicá-lo “psicologicamente”? Ou “psiquiatricamente”? Saio do cinema sem saber. Que deseja este filme? Pensei em Kafka, em Pinter, em Bukowski, sei lá em quem, e fico com medo de julgar por baixo ou por cima. Enredo? Estorinha? Bem, Selton é um comprador de relíquias e bugigangas que despreza e humilha os clientes miseráveis que tentam se salvar vendendo alguma coisa, e nutre duas obsessões: a bunda de uma garçonete de botequim e um olho de vidro que comprou. Há um ralo no banheiro ao fundo que exala um cheiro horrendo que ele cultiva como uma fonte de vida. Tudo se passa em meio a uma cenografia baldia, entre muros pichados e paredes descascadas. Uma alegoria minimalista do nojo do que se passa no país. A cara mais suja de São Paulo nos olha da tela.

Terá algum sentido dizer que o filme é “importante”, útil para entender o Brasil, como dissemos diante de “Cidade de Deus”, por exemplo? Tem sentido buscar sentido numa obra que não pretende se explicar? O filme quer nos “conscientizar”? Claro que não. O filme não “cabe”; é inclassificável ou desclassificado. Será um “retrato de nossa situação psíquica dentro da esquizofrenia do capitalismo?” Ora...

Saio pela Avenida Paulista, louco para chegar em casa como para me proteger. Na rua, com milhares de pessoas passando de todos os lados, parecia-me que as via pela primeira vez. Senti, digamos, que há uma feiúra (não é a palavra), há talvez uma escrotidão urbana assumida nas roupas, nas caras, nos gestos, há uma poluição existencial incorporada para sempre, uma tragédia ignóbil, pobre, muda, que eu acabara de ver no filme.

Volto a me perguntar: que deseja esse filme? Provar alguma coisa? Ele é “crítica” ou “produto”? É um filme personagem de si mesmo? Talvez... Que queria Kafka denunciar na “Metamorfose”? Nada. Queria existir na sua realidade paralela. Este filme aponta para o mistério inquietante que a verdadeira obra de arte tem de ter. Não parte de idéias, mas de traumas, de medos, de pesadelos. Encontrar as idéias será tarefa para ensaístas.

No entanto, algumas certezas o filme me trouxe, (todas do lado do “não”): a primeira é que o “cheiro do ralo” está definitivamente instalado no presente e no futuro que nos espera no país, que não há reforma social ou psíquica que tape mais esse buraco, que não há conserto para o rumo em que as coisas vão e quando digo “coisas” são as “coisas” mesmo, a fumaça, o lixo urbano, a falta de dinheiro, a impossibilidade de governar, a estupidez, o crime imbatível, o horror instalado. Não é que o filme “condene” essas realidades como errôneas, ou “desvios”; não – o filme não denuncia, nem é melancólico ou “pessimista”. O filme abdica de qualquer esperança “sensata”, mas não é desesperado; ele apenas ri e chora por uma vida inevitável, já instalada no dia a dia do país, que a elite bocal não quer ver e românticos e acadêmicos também não. O cheiro do ralo é nosso oxigênio atual e talvez precisemos gostar desse odor, pois viveremos com ele para sempre.

Nosso país vai se dividir entre os que conseguirão escapar dessa tragédia parda, suja que já está aí e ignorar o cheiro do ralo e os que terão de se adaptar a ele. E falo de um cheiro dentro de nós, não do lado de fora. E também não falo de miséria, não. Esta é eterna e apodrecerá para sempre, pois ninguém fará nada contra ela. Estou falando dos homens comuns urbanos. Miséria existencial? Talvez, se comparada a nossos ideais iluministas do “bom” e do “sadio”.

Penso também que, na ausência de um sentido “geral” do filme, há milhares de sub-sentidos nos gestos dos atores, nas roupas, nos comportamentos dos tipos e personagens que denotam uma nova moral, um novo sexo, um novo (a palavra “novo” se aplica?) amor, uma solidão assimilada. “Madame Satã” tem um pouco disso, “Cidade Baixa” também. De qualquer forma, surgiu um novo cinema aí, melhor dizendo, alguns pontos luminosos apareceram recentemente. Este é um dos mais fortes.

Outra coisa espantosa (sem falar no baixo custo do filme) é que os atores agem como “autores” também. Cada ator traz um drama pessoal estampado na cara, traços biográficos que nos são ofertados cruamente. Aliás, onde se escondem esses atores geniais, longe da TV e do teatro careta? Com exceção do próprio Mutarelli, de Alice Braga, Paula Braun, e Suzana Alves, há tribos de talentosíssimos anônimos na periferia artística de SP e Rio.

Esse filme me fez lembrar de um filme fundamental de 68 (ano do AI-5 e nascimento da personagem de Selton) – o “Bandido da Luz Vermelha”, que adivinhou, profetizou a avacalhação em que vivemos hoje, quase quarenta anos depois. E Sganzerla sacou isso, desconfiado do heróico e ridículo suicídio da guerrilha urbana que se iniciava. “O cheiro do ralo”, para além dos petismos, tucanismos e lulismos, também parece prenunciar o que seremos daqui a alguns anos. Os filmes do cinema novo continham uma esperança histórica. Agora, eu diria que há uma tragédia conformada.

Apesar de nada mais ter importância (bons tempos em que “Terra em Transe” mexia na cultura brasileira...) este filme é muito importante sim; mostra que, daqui para frente, talvez precisemos aceitar o cheiro do ralo para respirar.

Este comentário foi removido pelo autor.

Fui assistir ontem, aqui em Brasília, e adorei! Já estou fazendo propaganda para todos os meus amigos. É fantástico! Além disso, Jabor pôs em palavras o que senti ontem ao ver o filme. Parabéns! O Selton Mello está demais! O filme é FANTÁSTICO! Adorei! Obra-prima, com certeza!!!

Fiquei curiosa quando li a crítica. O nome do filme já é curioso... as observações do Jabor são um convite a assistir ao filme. O farei. O mais rápido possível.

Muito infeliz a projeção do vazio de significado da vida desse dejeto humano na mensagem do filme. O filme é maravilhoso, uma verdadeira obra de arte, não é nada cínico, é humano desde o escancarar da coisificação até o florecimento do afeto onde menos se espera. Brilhante, e seria mais se não tivesse que se submeter ao crivo desses estúpidos...

Jabor é maravilhoso em seus comentários ácidos, providos de conteúdo pertinente e inteligente. Cineasta fabuloso, um dos ícones do cinema brasileiro.
O CHEIRO DO RALO e tantas outras produções nacionais merecem nossa admiração. Afinal, fazer cinema no Brasil é um ato heróico...
Sou professor (modéstia a parte, outro ato heróico neste país que coloca educação e cultura em último plano...)e já estou recomendando o filme aos meus alunos. Aliás, Selton e Dhalia, se tiverem algum material de divulgação, me informem onde e como conseguir. Estou em São Paulo - capital. Um grande abraço!!!!

já tinha lido cara!!!Jabor é do caralho mermo!
a revista veja tambem publicou uma reportagem!!!!

É seu Lourenço!! Vou ver seu filme amanhã no Odeon. Pena que não teve boa distribuição em Niterói. Reclame, por favor. E isso aí, continue fazendo de Selton o ídolo alternativo. É bom salvar a Mariana Ximenes, vejo lá um potencial tb.

www.escritosmalditos.blogspot.com

Verdade o problema da distribuição.

Era pra ser assim mesmo, Seu Lourenço?

ahhh,.,.,

O Jabor é um mala, chato de galocha, cineasta talentosíssimo, jornalista nem tanto, mas o filme é mesmo muito bom. Vi e revi. Legal também vcs começarem devagar, estreando aos poucos, não deram uma de Antônia, o filme. Tomara que ele venha para Sorocaba também. Meus amigos querem ver e não podem (eu tive que me deslocar para sampa).

Prá começo de conversa, esse não é um cométário de 1° de Abril. Bem, vi seu filme ontem no Odeon(Cinelândia-RJ), e gostei cara. Selton faz muito bem o tipo arrogante-engraçado, isso deu prá sentir bem quando assisti sua apresentação do Wmb-Mtv. O filme tem um efeito tortura do Laranja Mecânica em quem assiste. Eu quando vi Sin City, pela 1ª vez fiquei com uma aversão sinistra a violência. Mas, não ao sexo, rsrs. Seu filme tem isso tb, vc sai do cinema olhando as mulheres da cintura prá baixo, mas ao mesmo tempo vc se pergunta o quanto de sordidez e neurose vc aplica em seu dia-a-a. A banalização é levada a um extremo tão grande que vc se pergunta se não é um pouco "Lourenço". Aliais, escolher o próprio nome prá entitular uma personagem prá lá de sordida é dar a cara prá bater no sentindo literal. E vc se sai bem no filme. O final do filme cara, acho que estão lhe torando o saco com os mil finais diferentes que deveria ter. Mas, da minha parte gostaria que a garçonete fosse capaz de salvar Lourenço de sua sordidez. Quase sempre elas não conseguem nos salvar. A maioria dos homens são Lourenços nesse sentido.

Obrigado pelo filme, uma boa terapia, me ajudou muito

Quando será a estréia aqui em Recife?
Não vi "O Cheiro do Ralo" na lista dos filmes que irão passar no CINE-PE,porquê?
Só estou vendo as notícias na tv cabo ,na internet e no jornal.E aqui nada!!!!!!!!

realmente, vale a pena assistir...
Se é obra-prima eu nao sei; no mínimo, esse filme revela que algo de bom surge no cinema brasileiro-olha, , sem exageros- e q também será um objeto de culto
Um olhar poético distante de preconceitos para assistir "Cheiro" ratifica meu comentário

Obra-prima, sim!! Mesmo sendo dura, a vida, ela nos proporciona assistir filmes como esse!!

Atores brilhantes, cenário espetacular,direção de arte primoroza, figurino bárbaro, fotografia sensacional, trilha perfeita!!

Obrigada, vida dura!

Realmente havia um cheiro no ar... E Selton levou o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema de Guadalajara. Em O CHEIRO DO RALO, Selton apenas ratifica seu talento, já evidenciado em tantos outros filmes, sempre com profissionalismo e sensibilidade. Selton percorre com segurança e competência os vários gêneros da dramaturgia. De LAVOURA ARCAICA ao AUTO DA COMPADECIDA. De LISBELA E O PRISIONEIRO ao CHEIRO DO RALO... Personagens tão distintas, submersas em realidades tão diferentes, construídas e personificadas de forma excepcional pelo jovem ator. Parabéns, Selton. Melhor ainda é receber um prêmio através de um filme de excelência... Grande abraço!!!!

Não vou muito com o Jabor, mas dessa vez ele me surpreendeu. Não poderia ler algo melhor dele.
Ha muito eu tinha lido o livro do Mutarelli e adorado. Qdo fiquei sabendo do filme, fiquei esperando e acompanhando os passos da produção. Fui logo assistir o "Nina", e percebi que o "O Cheiro..." seria muito bom. Um texto genial, dirigido por uma estética magistral só poderia gerar o filme que gerou.
Confesso que fiquei meio desgostoso qdo soube que o Selton Melo seria o protagonista, não desmerecendo o trabalho desse ator, que dispensa comentários e elogios, mas o visual do protagonista do romance não bate muito com o dele. Mas depois de assistir ao filme, não consigo mais imaginar o protagonista do livro com outra cara... Já li e reli o livro oito vezes, duas após assistir à pelicula. Vcs conseguiram passar para a tela todas as sensações que temos ao ler a obra do Mutarelli. Mais uma vez, PARABÉNS!!!
A parceria - Mutarelli/Dhalia/Selton - deveria durar mais... quem sabe num Jesus Kid!!!
Abç de um grande Fã de todos vcs

bom ...fui ver ante ontem o filme pq o selton mello foi no programa panico da jovem pan e o emilio Surita ficou falando sem parar q o filme era muito bom ..cara ele não parava de elogiar !!! e com toda razão! com certeza um dos melhores filmes q eu ja vi..com certeza !espero q seja um sucesso pq merece!

O cheiro do ralo tem uma história sim. Mas qual é a história? Ora. Qual é o business do personagem de Selton Mello? Um gerente de uma loja de antiguidades? Parece que não. Afinal, ninguém entra ali para comprar. Só para vender. O comércio ali tem mão única. E o dinheiro também. Mas de onde vem aquele dinheiro?
Hum... E aquele olho que tudo olha? A referência a Orson Wells explícita na cena em que a câmara promove um traveling pelo monstruoso acervo de bugigangas?
Uma resposta. Acho que o Cheiro do Ralo faz a metáfora do cinema ou, de modo mais ampliado, de toda a indústria audiovisual e indústria cultural (jornalismo, TV etc.) O que Selton Mello faz ali é comprar coisas que vão ser mostradas... para o olho...
Espécie de câmera oculta de um Big Brother invertido. Alimentando essa indústria, vive uma caixinha de onde brotam notas. a propaganda, os estímulos culturais, as leis de incentivo.
É em nome desse poder e dessa relação entre o cinema e a realidade que o filme vai tecendo sua crítica.
Num certo momento, em nome desse poder, o personagem é brutalmente passional. Esmurra e chuta sem dó um pobre coitado porque não foi com a sua cara. Em outro, explora a garçonete, que mostraria tranquilamente seu corpo gratuitamente, mas que ele não quer ver daquele jeito. Ele quer construir uma relação de submissão. Que passe pelo poder financeiro. Ele quer comprar. Para poder mostrar.
Aquele olho que tudo vê é o nosso olho, ninguém sentiu? Um olho arrancado da nossa cara que está nas mãos de alguém? Indústria cultural.
A heroína do filme é a drogada. Que rouba para poder comprar drogas. Mas que se sente ferida na dignidade quando é comprada para ser exibida. E que dá uma resposta objetiva. Tiro na televisão. É a personagem indignada. Que tem consciência crítica. Se droga, porque o mundo está uma droga, exalando o cheiro do ralo com o qual ela, pessoa sensível, não consegue conviver.
O personagem vai colecionando mazelas. Tem coisas como caixinhas de música que não interessam. Mas uma perna mecânica de um homem que vivia com aquela prótese... isso sim é muito interessante. O olho... esse é o cerne do filme. O olho quer ver a miséria do Brasil. Para mostrar na tela. Ganhar prêmios. Fazer a caixinha tilintar e gemer.
Acho que mais uma referência que deve ser feita sobre esse filme é a estética que se guia no cavalo de Glauber Rocha. Um filme barroco, em que o tempo não se movimenta. Circular. Nada sai do lugar. E os seres, quase épicos vão desfilando na frente da telinha, ou do olhinho.
Daí a crítica a quem coleciona mazelas na tela como um Cidadão Kane que colecionava suas bugigangas. Frio. Calculista. Merecia o tiro? Sei não. Outros tomarão seu lugar. A solução não está bem ali. Mas não se pode negar algum sabor de vitória naquele tiro. Vez por outra dá vontade.
Falei brevemente do que acho o maior problema do filme. O desenrolar. O problema é que o filme não desenrola. Seu tempo é circular por convicção, uma convicção barroca muito estimada de Glauber. Ele enrola. Mas o resultado é muito saboroso. (Marco Bonetti)

Eu já assisti o filme mais de 20 vezes e estou desesperado para ler o livro... ninguém citou mas vale a pena elogiar a trilha sonora de Apollo Nove utilizada no filme... muitíssimo bom gosto. Esse filme conta uma história que eu sempre quis ouvir.

Obra prima, relato realista da vida brasileira. Há vitimas por todos os lados, a podridão vem de dentro, todos vitimados pela cultura socio econômica. O cheiro do ralo é minimo. Desagradável é o cheiro da alienação, do descompromisso, vende-se ao diabo tudo, segredos, bens preciosos, e até detalhes da própria vida, e em volume tão grande que o comprador toma consciência de que esta contaminado pelo cheiro da podridão que êle mesmo incrementou,
e mesmo uma fantastica bunda é incapaz de substituir o prazer e vicio que o sustenta, o cheiro da merda que paira no Brasil.
Fantastica atuação dos atores, do principal um show a parte.
Sr Diretor. Parabéns !!!
Não Pare, Não Pare

Obra prima, relato realista da vida brasileira. Há vitimas por todos os lados, a podridão vem de dentro, todos vitimados pela cultura socio econômica. O cheiro do ralo é minimo. Desagradável é o cheiro da alienação, do descompromisso, vende-se ao diabo tudo, segredos, bens preciosos, e até detalhes da própria vida, e em volume tão grande que o comprador toma consciência de que esta contaminado pelo cheiro da podridão que êle mesmo incrementou,
e mesmo uma fantastica bunda é incapaz de substituir o prazer e vicio que o sustenta, o cheiro da merda que paira no Brasil.
Fantastica atuação dos atores, do principal um show a parte.
Sr Diretor. Parabéns !!!
Não Pare, Não Pare

olá
sugiro a todos adultos q desejarem exercitar a inteligencia social q assistam o filme, principalmente os 'extras' (no dvd, claro).
grande lição: "a vida é dura". rapidamente acrescento: "para quem eh mole, mas eh mole, para quem eh duro (disciplinado)".
m.obrigado!
olair rafael etereno aprendiz
pediatra homeopata med. do trabalho
www.sol.med.br

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